2 de março de 2014

Grandes Entrevistas: Escritores

Grandes Entrevistas: Escritores
Luciano Trigo, org. São Paulo. Globo. 1994. 285 páginas.

Amigo Leitor, Amiga Leitora, Perdão! Mas vai ser longo.

Sinopse:
Algumas vezes, o valor da informação pode transcender seu próprio meio de origem. Como neste caso, em que 23 entrevistas feitas com grandes escritores e publicadas originalmente pelo jornal O Globo conquistaram aqui, merecidamente, a perenidade do livro.
A coerência, a pertinência das questões levantadas e a profundidade alcançada pelos profissionais que assinam esta coletânea são características do bom jornalismo que se conservam aqui em benefício do leitor.

Ponderação:
Estava tentando lembrar o porquê da aquisição desse livro de/com entrevistas. – Bem! Lembrei... Foi para o curso de Espanhol e a existência de escritores hispanos e hispano-americanos. A segunda questão, ampliar o conhecimento sobre escritores e a visão de mundo de cada um deles.
Essa ponderação caminha numa estrada diferente, não sendo ficção e muito menos não ficção, encara uma publicação, onde preservar a efemeridade das publicações diárias que envelhecem a cada dez minutos. O livro apresenta 23 entrevistas (selecionadas e, também, com interligação de assuntos entre os entrevistados) e publicadas entre 1990 e 1993, no jornal carioca, O Globo.
Vale lembrar – a natureza jornalística, o momento histórico vivido pelos entrevistados em relação ao mundo e dos entrevistadores/repórteres.
O Prefácio e Apresentação deveriam ser lidos e relidos pelos meus colegas novatos da imprensa, para não sair fazendo perguntas idiotas. Aula de como ser um bom repórter/entrevistador. Sugere, caso não se tenha domínio sobre a obra do entrevistado, façamos uma lição de casa, procurando ler o que já foi dito ou publicado a respeito.
Nesta releitura, pude observar detalhes não observados na fragmentada leitura anterior. John Barth, Norman Mailer, Camilo José Cela e Harold Robbin foram os entrevistados mais bem humorados. Ao término da leitura, sai com algumas indicações, que já estão na lista de procura e leitura deste ano.
A cada entrevista reproduzida é dada uma biografia resumida do entrevistado, atualizada, naquele 1994, ano da presente edição. A seguir o mais significativo de cada um. Até o momento, destas linhas serem escritas, nove (9) ainda vivem.

Jorge Amado (1912-2001). Página 17 <‘Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do individuo como ser humano, você não pode pensar em socialismo.’> – Tem algo haver com a Grécia Antiga?!...

Sidney Sheldon (1917-2007). Suas histórias eram mais cinematográficas que propriamente literárias. Página 28 <‘...Mas, apesar da explosão de consumo do vídeo, que faz com que as pessoas leiam cada vez menos, acredito que sempre haverá espaço para a literatura.'>
<‘Alguns gostam, outros odeiam meus livros. Eu não escrevo para a crítica. Os críticos são determinantes apenas para os lançamentos de livros de escritores novatos. Um escritor com experiência como eu não é afetado pela crítica.'> – Uau! Será que ao fazer uma crítica, o crítico tem visão e cultura suficiente para criticar uma obra?

John Updike (1932-2009). Página 37 <‘...E claro que filme e livros devem ser um pouco loucos, mas neste caso tudo virou uma confusão. Achei embaraçoso. Um livro é inanimado, você lê sozinho; o escritor pode ser bem indiscreto e explícito. Um filme é um evento social, com várias pessoas em uma sala...’> - Ops! Tem ou teve alguém que aproxima de minha afirmação de não gostar de adaptações literárias ao cinema. Página 45 <‘Eu falava também sobre uma rebelião dos idosos e menos favorecidos, que se recusavam a ser amparados. Tinham comida e teto mas perdiam a liberdade. Acho que isso é verdade hoje: os mendigos e desabrigados preferem viver nas ruas a ir para abrigos. Eles se rebelam contra as regras. Em um país onde vencer é tão importante, o problema todo é discutir o que fazer com os perdedores. É um problema visível, basta andar nas ruas de Nova York. Ao mesmo tempo você se sente culpado se não ajudar e sabe que não pode ajudar a todos, é um sentimento contraditório. Se você tivesse uma arma, talvez matasse boa parte deles, porque estão invadindo o seu espaço psicológico. Cortam o coração, é verdade, mas também provocam muita raiva.’> - Updike fala comparativamente de suas obras em relação aos moradores de rua em Nova York. Mas parece-me um fato universalizado, há sempre alguém comentando sob o assunto em qualquer grande cidade. Porém se há rebelião contra as regras? Eles não podem nos fazerem sentir culpados, porque seguimos as regras. Eles (moradores de rua) não podem nos obrigar a socorrer-los porque eles não querem seguir regras. Se eles se consideram perdedores, que busquem alternativas para serem vencedores.

Allen Ginsberg (1926-1997). O poeta criou uma situação e houve seguidores pelo mundo afora, mas poucos entenderam sua linguagem.

John Barth. Está com 84 anos. Elogiou Machado de Assis. Página 74 <‘Precisamente, o que eu acho é que nunca foi possível, em nenhuma cultura, em nenhuma época, escrever algo inteiramente original. Porque a literatura é feita de linguagem, e a linguagem não é algo que se possa inventar, nós a herdamos do passado.’> - Estabelece vinculo e valoriza o passado.

Adolfo Bioy Casares (1914-1999). Página 81 <‘Tenho a impressão de que escrever é quase um presente que nos deu algo que não abemos o que é. Não depende da nossa consciência, mas de algo inconsciente, como os sonhos. Mais tarde, a armação do texto, sim, é trabalho da consciência e da inteligência. Eu sempre senti fascinação pela literatura. Gosto de escrever, me divirto escrevendo, é uma segunda natureza em mim. Escrevo até mesmo uma frase engraçada que ouço um garçom dizer num restaurante. Mas a minha verdadeira excitação pela literatura me chega através do que leio.’>

Saul Bellow (1915-2005). Outro escritor que fez elogios a Machado de Assis. Página 100 <‘Não é só este país, é o mundo inteiro que está sem esperanças, em muitos aspectos. Na verdade, penso na América como um laboratório para a experiência democrática, e isso é de importância crucial para o resto do planeta. Creio que a América tem o mérito de ter demonstrado os caminhos que deve ou não seguir uma sociedade capitalista democrática, combatendo ditaduras e o protecionismo. É claro que isso tem um preço.’>

Peter Handke. Está com 72 anos. Sobre escritores que viram políticos, no caso Vaclav Havel. Pode-se estender essa análise, se podemos chamar assim, análise, as demais categorias de profissionais ligados as artes, músicos, cantores, atores e... Páginas 113-l114 <‘Um escritor é sempre escritor, não vira presidente. Isso é uma vergonha. Ele deve estar satisfeito por ter sido libertado da tarefa literária, que é muito mais difícil do que ser presidente. E o que ele escreveu não tinha muito valor. Admiro sua bravura, mas ele me enerva. Não gosto de ouvir falar de escritores que entram na política e aí passam a ter saudade de escrever. Ou a gente faz uma coisa ou não fala sobre ela.’>

Paul Auster. Está com 67 anos. Páginas 119-120 <‘... As pessoas costumam dizer que meus livros são cheios de coisas inimagináveis, mas é assim que o mundo funciona, essas coisas acontecem o tempo todo. Eu tive tantas experiências como essa que sinto ser minha obrigação, como escritor, de produzir livros assim. Nós, cidadãos do mundo do final do século XX, temos a impressão de que a realidade é muito planejada, suave, e que coisas como essa não podem acontecer jamais, apesar de todas as coisas grotescas que acontecem todos os dias, apesar de todas as ameaças que sofremos nos últimos 50 anos. As pessoas lêem muito novelas realistas que pretendem apresentar o mundo como ele realmente é, mas isso é fabricado. As coisas são muito estranhas.’>

Ricardo Piglia. Está com 71 anos. Sobre o processo narrativo dentro da literatura. Páginas 129-130 <‘Porque me interesso muito por saber como circula a narrativa, pois ela é um elemento da vida social tão importante quanto o dinheiro. Ela constitui um tipo de intercâmbio muito importante entre as pessoas. Imagino que, se fosse possível reunir todos os relatos que foram feitos durante um dia numa cidade, se saberia muito sobre essa sociedade. Não só pelo conteúdo das histórias mas também pela forma. Essa é a matéria básica dos romances. Outra questão muito interessante na ficção é que a relação entre falso e verdadeiro é muito imprecisa. Dependendo da maneira como as pessoas encaram a vida e a literatura, algo pode ser verdadeiro ou falso ao mesmo tempo. É um jogo com elementos de incerteza e indecisão. Nem tudo é totalmente verdadeiro ou falso. De um mundo em que tradicionalmente o relato oral esteve nas mãos dos pescadores, dos camponeses, dos escritores, passamos a outro, no qual o relato social está nas mãos dos meios de comunicação de massa e do próprio Estado, que geram continuamente processos narrativos. Ou seja, hoje em dia as pessoas estão buscando a narrativa em outros lugares, fora dos romances – na televisão, no cinema, no jornalismo. Ou seja, a realidade está cheia de histórias, e é por isso que eu creio que o problema de um escritor não é ter ou não histórias, porque elas estão sobrando.’>

Harold Robbins (1916-1997). Sobre adaptações de livros para o cinema e a televisão. Páginas 145-146 <‘Não. Não gosto de ver meus livros transformados em filmes. Eles mudam muito a história. Eu poderia adaptar meus próprios livros, já fiz isso uma vez, mas não faria de novo. Não vale a pena. Dá muito trabalho, pagam mal e tem muita gente dando palpite. Escrever é um ofício solitário, e eu gosto muito de trabalhar comigo mesmo.’>

Toni Morrison. Está no auge dos 82 anos. Página 154 <‘Eu queria me concentrar na principal idéia do livro, que é analisar a forma como o fato de ser branco se torna uma ideologia, mais do que uma característica biológica. Como isso torna um meio de se pensar sobre o mundo, ou imaginar o mundo – tal como os escritores fizeram, por exemplo.'>    A escritora faleceu na data de 03/08/2019 com 87 anos.

Frederick Forsyth. Está com 76 anos. Autor de “O Dia do Chacal”. Páginas 167-168 <‘O problema é que se sabe muito pouco sobre o fundamentalismo islâmico. É um desses movimentos que de tempos em tempos surgem no mundo e captam os corações e mentes de milhões de pessoas, que se tornam fanáticas. Se as lideranças forem agressivas, os seguidores fanáticos podem fazer qualquer coisa que elas mandarem. Quando se fala em fundamentalismo islâmico as pessoas costumam associá-lo diretamente ao estilo iraniano, xiita, mas a Argélia e a Arábia Saudita são basicamente sunitas. Esse tipo de fundamentalismo prega a estrita obediência às leis religiosas dentro de seus países e não representa uma ameaça para nós. O único problema é quando eles começarem a dizer como nós devemos nos comportar.’>

Bernard-Henri Lévy. Está com 63 anos. Página 176 <‘Na época, como todo mundo, eu pensava que a revolução estava a caminho e que as forças da reação ignóbil e infame contribuíram para o seu fracasso. Hoje, retrospectivamente, sou mais circunspeto e acho que aquela revolta teve muito menos importância do que imaginávamos na época. Não foi, como pensávamos, a alvorada de um tempo novo, mas o crepúsculo de um tempo antigo.’> - Referência a maio de 1968.

Gore Vidal (1925-2012). Páginas 188-189 <‘Fiz uma palestra no National Pen Club de Washington sobre como a única soberania possível era a que estava expressa na Constituição americana. “Nós, O Povo, reunidos em um Congresso”, e sobre como era chegada a hora de retomar nosso país das mãos das grandes corporações que são donas dos dois partidos – que na verdade são um só. Este discurso está incluído no meu livro Decline and Fall of American Empire. O “candidato a candidato” Jerry Brown me telefonou para perguntar se poderia utilizá-lo nas primárias. “Sim”, eu respondi, “com minha benção.” Como ele perdeu, foi Clinton quem se apossou deste discurso. Em seguida, Perot fez a mesma coisa. Finalmente, até Bush usa fragmentos dele. Sinto-me como Pirandello – com quatro atores de palco em palco pelo país afora, descarnando minhas palavras. Clinton vai vencer. Mas eu me pergunto se ele compreende a profundidade da grande questão: se não convertermos a guerra – depois de 42 anos – em paz, nós desaparecemos do Primeiro Mundo para tomarmos lugar ao lado de nossos colegas falidos do Ocidente, o Brasil e a Argentina.’> - Essas palavras foram ditas em 1992, já se passaram 22 anos, era alguma profecia? Será que os políticos, daqui, fazem uso nos seus discursos de discursos de obra de ficção para dizer que são inteligente e talvez quem sabe não  dizer a que vieram???

Salman Rushdie. Está com 67 anos. Vive de forma secreta. Páginas 200 e 201 <‘Mesmo que volte a ter hábitos normais, a minha vida será diferente, pois nunca mais poderei ser o mesmo que era antes de fevereiro de 1989. Eu era no fundo um escritor satírico, com tendência esquerdista, que estava acostumado a escrever sempre contra alguma coisa. Eu me preocupava em ser contra mas nunca refletia muito sobre o que queria. Hoje acho que precisamos lutar não apenas contra, mas também a favor de alguma coisa. Hoje lutaria com todas as minhas forças pela liberdade da palavra.’> <‘Posso apenas dizer que me decepcionei muito com o Partido Trabalhista inglês, que me apoiava e me deixou na mão. Foi exatamente o partido que mais critiquei nos últimos 20 anos, o Conservador, que me forneceu maior ajuda, salvando a minha vida. Também fiquei desapontado com a minoria asiática de imigrantes que vivem na Inglaterra. Eu sempre lutei por eles, mas mesmo assim foram eles que primeiro queimaram o meu livro. A minha visão de mundo mudou radicalmente.’>

Juan Carlos Onetti (1909-1994). Página 208 <‘Não é uma antítese deliberada. Eu não me proponho a destruir o happy end. Sai assim, que culpa tenho eu? Já se falou muitas vezes que o escritor não é mais que um médium, que encarna anjos ou demônios. Eu não sei se isso é sério. Mas quando começo a escrever algo, não sei exatamente como vai terminar.’>

Guillermo Cabrera Infante (1929-2005). Página 224 <‘A decepção é fundamentalmente com o castrismo. Mas também nunca tive ilusões com o comunismo. Desde os 6 ou 7 anos, como filho de fundador do partido comunista, eu conhecia as manobras comunistas. Muito simplesmente porque meu pai, na minha aldeia, além de fundador do partido, era chefe de propaganda. Eu vi meus pais serem presos pela ditadura de Fulgêncio Batista em 1936 e escaparam por pouco de serem mortos. E dois anos depois eles estavam fazendo campanha a favor de Batista por determinação do partido. Por isso, nunca tive ilusões com o comunismo.’>

Camille Paglia. Está com 67 anos. Suas palavras soam igual ao Eco, ficam perdidas no vazio.

Camilo José Cela (1916-2002). Página 240 <‘Quis dizer, um pouco por brincadeira, que, mais que um destino, as duas coisas representam uma culminação. Em termos de tradução, o máximo que pode ocorrer a um escritor: é ser traduzido para o latim, uma língua morta. E o prêmio máximo que se pode dar a alguém nesse vale de lágrimas que é o ofício do escritor é um Nobel.’> - Ah! Livros traduzidos ao latim, será uma idéia de preservação para o retorno do uso da língua morta? Será que foi daí que Zafón criou o seu ‘Cemitério dos Livros Esquecidos?

William Styron (1925-2006). Como criar uma história baseada na leitura de dois livros. Páginas 254-255 <‘A história foi parcialmente inspirada em dois livros que li: um deles, publicado logo após a Segunda Guerra, sobre uma mulher que havia passado pelo campo de concentração de Auschwitz, chamada Olga Lengyel. Ela descrevia como havia saído do campo com suas duas crianças através da Romênia. Apesar de não ter tido que fazer a escolha, como Sofia, ela teve que mentir sobre a idade das crianças, e isso fez com que um de seus filhos fosse levado e, provavelmente, exterminado. Na época fiquei muito chocado. Anos depois, Hannah Arendt escreveu Eichman em Jerusalém e, numa passagem, contou sobre o caso de uma cigana que teve de fazer uma escolha entre os dois filhos. E Arendt descreve isso como o pior crime que possa haver: fazer de uma mulher a assassina de seu próprio filho. Isso também me tocou muito e, dez anos mais tarde, me dei conta de que precisava contar esta história, recriando a memória de uma garota que eu havia conhecido no Brooklyn, chamada Sofia.’>

Norman Mailer (1923-2007). Página 273 <‘Eu acho que nós, escritores, vamos ser derrotados, que não conseguiremos mostrar como a vida é complexa. E as pessoas buscam visões cada vez mais simplistas da vida, até chegar a um beco fascista sem saída. O ponto em que estamos parece o último estágio antes do desprezo pelas liberdades, e isso parece ser a tendência no mundo inteiro, algo que realmente me assusta.’>

José Saramago (1922-2010). Páginas 280-281 <‘A minha intenção foi ser irônico, ou seja, não venham dizer outra vez que isso é falta de respeito, porque eu não tenho culpa de nada. Se alguém tem culpa, são os que, para chegar ao Paraíso em nome de Deus, andam a trucidar-se uns com os outros. Sem dúvida, houve quem interpretasse O Evangelho Segundo Jesus Cristo, por exemplo, como um livro ofensivo. Mas também houve crentes católicos que leram o romance com olhos mais inteligentes. As reações dos leitores são sempre múltiplas e variáveis. O que não permito que me aconteça é me deixar condicionar por essas reações. Continuarei a escrever aquilo que entender justo e necessário na relação que eu tenho com essa instituição de poder que é a religião.’>



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